down syndrom, educação, educação especial, Entrelinhas, ideologia, inclusão, PNE, política, síndrome de down

Inclusão? Sou radicalmente a favor!

Todos contra o bullying!

Inclusivistas radicais não têm filhos com deficiência severa, se tivessem não defenderiam a inclusão a todo custo! Eles não sabem o que é ver um filho largado em suas crises enquanto o professor ministra a aula para os alunos comuns! Não sabem quanto bullying a criança sofre sem que professores ou escola façam qualquer coisa! A escola regular não está preparada, se for pública pior ainda! Na escola especial meu filho tinha atenção, era bem cuidado e se desenvolveu! Com o “preferencialmente” na meta 4 nós temos o direito de escolher onde colocar nossos filhos e dizer qual educação nossos filhos devem receber! Além disso, se a proposta do PNE não for alterada, as APAEs ficarão sem recursos, fecharão as portas e deixarão desassistidas as pessoas com necessidades especiais!

Esse conjunto de afirmações sintetiza os argumentos das pessoas e instituições que preferem manter as pessoas com necessidades especiais em instituições de ensino especial. Argumentos válidos e tocantes que merecem ser analisados com a devida consideração. Mas, antes, retiremos da discussão um excesso que se faz presente. APAEs anunciarem a possibilidade de seu fechamento como forma de obter a alteração desejada no PNE chega a ser terrorismo. APAEs continuarão a receber recursos pelo apoio especializado que sempre foi sua marca e com o qual prestaram e prestam um serviço importante. Deixarão, é verdade, de receber os recursos enquanto escola regular, mas continuarão recebendo como escola especial. Encolherão em tamanho, número de alunos, recursos e força política, mas não fecharão*. Muito bem, terrorismo à parte, sigamos adiante.

Inclusão, já disse isso em “Preferencialmente? Sou radicalmente contra!”, é um processo ainda embrionário. Propostas novas são comumente ladeadas de resistências. O ser humano é adepto de rotinas e detesta sair de sua zona de conforto. A inclusão é um desses mecanismos capazes de dizimar com rotinas estabelecidas e nos jogar em zonas bem desconfortáveis porque nós simplesmente não sabemos o que fazer com o que não conhecemos. Temos a inócua impressão de conhecer as pessoas comuns, mas essa é implodida quando nos deparamos com pessoas com deficiência. Nossas instituições ainda não são inclusivas, nossa sociedade ainda não é inclusiva, nós ainda não somos inclusivos. “Ainda não”, mas o futuro nos aguarda!

inclusão diversidade

A sociedade inclusiva precisa ser construída

Alcançar este futuro que se anuncia belo e radiante nos impõe a necessidade de sermos inclusivos. Somos diferentes e precisamos aprender a lidar com isso. Em geral nos distanciamos e maltratamos o que é diferente, o que não conhecemos. Por conta disso, há inúmeros relatos de bullying e de crianças abandonadas à própria sorte na escola regular. Para aqueles que usam este elemento como argumento contra a inclusão, lamento dizer, mas há relatos equivalentes nas escolas especiais. Sim, há bullying e abandono no decantado recanto da proteção, o que significa que simplesmente manter as pessoas com necessidades especiais em escolas segregadoras não impedirá que coisas ruins aconteçam.

Mas a segregação pode impedir os ares de novos tempos. Apesar dos problemas, há relatos de uma mudança de perspectiva. Ao assistir um show de dança, Maria Teresa Mantoan, deparou-se com um rapaz amputado de braços e pernas ao lado de uma mochila. Quando a dança começou, um dos colegas pegou o rapaz, colocou-o na mochila e ambos participaram da apresentação em uma escola pública regular. Não defendo esse ato como um fim em si mesmo nem vou apegar-me a ele pelos sentimentos que possam emanar. Quero apenas ressaltar que tal cena nos apresenta uma aceitação do diferente que não é possível sem a convivência cotidiana entre pessoas comuns e com deficiências. Se as pessoas com necessidades especiais ficarem segregadas, tudo que teremos serão olhares de desconfiança, desconhecimento e agressões.

As mudanças atitudinal e comunicacional passam necessariamente por fazermos a inclusão acontecer e começarmos a conhecer o outro em sua singularidade. Não há melhor momento para começarmos a conhecer o diferente que na tenra infância. E por favor, que não atrapalhem esse processo, pais e professores. Ficou espantado? Não, não fique! Nós adultos, muitas vezes mais atrapalhamos que ajudamos. Quando um pai impede a criança de se aproximar de outra pela simples existência da deficiência e por um pré-julgamento de que seu filho será agredido. Quando um professor abandona o aluno à própria sorte e não faz com que os colegas vejam nele um amigo cujas diferenças não devem ser utilizadas como mecanismos de isolamento. Quando desconfiamos por princípio da incapacidade de aprendizagem da pessoa com deficiência e negamos a ela a oportunidade de partilhar das ferramentas sócio-culturais de sua época.

A escola é um espaço importante na partilha dessas ferramentas, mas se ainda não estamos prontos para a inclusão, será que as escolas estão? Adianta colocarmos as pessoas com necessidades especiais em escolas regulares? A gente conversa sobre isso no próximo texto. Até lá!

Parte inicial desse texto: Preferencialmente? Sou radicalmente contra!

*Texto do Luis Nassif sobre os recursos das APAEs: http://jornalggn.com.br/noticia/como-a-educacao-inclusiva-enfrentou-o-preconceito-e-as-apaes

Publicado originalmente no jornal Tribuna Amapaense, Nº 385, 23 de novembro de 2013.

Outros textos de Arley Costa podem ser lidos em https://arleycosta.wordpress.com/entrelinhas/

Padrão