democracia, mídia, política

O bom jornalismo não cala a boca!

Autor: Andrew Costa[*]

Hoje pela manhã, perguntado sobre os indícios de interferência na Polícia Federal para proteger seus filhos e aliados políticos de serem investigados e punidos por seus crimes, Bolsonaro perdeu a cabeça, deu chilique e gritou com jornalistas no Palácio da Alvorada repetindo por várias vezes de forma agressiva: “cala a boca”.

Para quem conhece um pouco de história, o fato lembra muito o dia em que o general Newton Cruz não só mandou calar a boca como agrediu fisicamente o jornalista Honório Dantas da Rádio Planalto durante a ditadura militar. As cenas revoltantes de violência e autoritarismo aconteceram diante de câmeras e estão hoje disponíveis na internet para quem quiser ver.

No último domingo, o jornalista Dida Sampaio e toda a equipe do seu jornal também foram covardemente agredidos por fanáticos bolsonaristas em uma manifestação inconstitucional e anti-democrática contra o Congresso Nacional e o Supremo Tribunal Federal apoiada pelo presidente em Brasília.

Minha solidariedade aos jornalistas agredidos física e moralmente diariamente por Bolsonaro e seus seguidores alucinados desde que esse pária assumiu o poder. A ditadura militar, que o presidente defende, torturou e assassinou muitos de nós. A memória de Vladimir Herzog está presente e não vai morrer. Não vamos tolerar o ascenso da violência contra profissionais do jornalismo novamente. 

Jornalista Vladimir Herzog.

O brilhante Millôr Fernandes dizia: “Jornalismo é oposição”. E é isso mesmo. É fiscalizar o poder, é a busca por tornar a verdade pública. Até mesmo o empresário conservador e anti-comunista William R. Hearst, alguém por quem não tenho qualquer admiração, já dizia no século passado: “Jornalismo é publicar aquilo que alguém não quer que se publique. Todo o resto é publicidade”.

A liberdade de expressão e a prática do jornalismo são fundamentais para qualquer sociedade democrática. Não à toa jornalistas são um dos primeiros a serem perseguidos e assassinados na implementação de ditaduras e regimes ditatoriais. Procura no Google o que o ditador da Arábia Saudita fez com o jornalista Jamal Khashoggi em sua embaixada na Turquia agora mesmo em 2018.

O jornalismo e a liberdade de expressão precisam ser defendidas e protegidas. Hoje mais do que nunca. Sem elas as democracias morrem. Não se cale enquanto jornalistas são atacados. Lembre das palavras de Brecht. Se importe! Porque amanhã pode ser você o perseguido. E pior: pode ser que não tenha mais ninguém para se importar.

#EuNãoMeCalo

[*] Andrew Costa é jornalista formado pela Universidade Federal Fluminense.

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atividade física, democracia, Entrelinhas, ideologia, manifestações, movimentos sociais, política, sindicato

Brasil, ame-o ou deixe-o!

Copa de 2014 no Brasil. A seleção brasileira entra em campo para a semifinal contra a Alemanha. A torcida, empolgada, lota o Mineirão e imagina o adversário apenas como mero contratempo antes da final, partida em que pretende vencer sua maior rival, a Argentina. Começa o jogo, o Brasil vai ao ataque e tenta abafar o selecionado alemão, mas sofre um gol aos 10 minutos. Aos 22, Klose faz o segundo e torna-se o maior goleador da história das copas, superando Ronaldo. Logo após a saída da bola, a Alemanha faz o terceiro e a transmissão mostra uma torcedora incrédula cuja expressão resume a pergunta de todos os brasileiros: O que está acontecendo? Após o quarto e o quinto gols, que ocorrem ainda antes dos 30 minutos, as imagens de brasileiros em prantos deixam claro que a festa virou desastre. A semifinal da copa 2014 transformara-se em uma pelada do tipo vira em 5 e termina em 10 (gols). A Alemanha só não chegou aos dez gols porque diminuiu o ritmo e passou jogar como quem fazia um treino de luxo para a final. Mesmo com a nova cadência, o placar final exibiu um expressivo 7 a 1, a maior goleada já sofrida por qualquer seleção em uma semifinal. A pior derrota da seleção canarinho em copas do mundo é, na visão dos torcedores brasileiros, um pesadelo denominado como vexame, vergonha, humilhação. Queríamos expurgar o fantasma da copa de 1950, mas apenas conseguimos acrescentar o espectro de 2014. O mineiratzen superara com folgas o maracanazo!

Houve um apagão! – disse o técnico. Mas a constatação é de que ruíra emocional e taticamente o selecionado comandado por Felipão. Tecnicamente havia bons jogadores, mas sem a organização necessária, a obra desfez-se antes de concluída. Do mesmo modo, embora as belezas naturais do país e o acolhimento inerente dos brasileiros tenham agradado aos visitantes, lamentavelmente é preciso dizer que o legado da copa, assim como a seleção, desmorona ao menor confronto. Contra os desmandos e gastos excessivos da copa, enquanto direitos sociais como educação, saúde e segurança sobrevivem com parcos recursos, muitos se levantaram antes e durante a copa (e continuarão a lutar depois). Esses expuseram e expõem os problemas à crítica porque amam o Brasil e querem-no um país melhor, assim como querem uma seleção jogando bonito e sagrando-se hexacampeã.

Há, entretanto, uma parcela dos brasileiros, em geral aqueles ligados mais umbilicalmente ao atual governo federal e partidos aliados, que estão, a exemplo do que fizeram os governos autoritários durante a ditadura, afirmando aos críticos: Brasil, ame-o ou deixe-o! E hasteiam esse brado contra qualquer um que tenha criticado algum elemento da copa, sejam os gastos e superfaturamentos com as arenas; as obras de mobilidades retiradas dos projetos iniciais; as remoções que deixaram tantos sem teto, as mortes de operários durante a construção dos estádios; os viadutos que, antes mesmo de ficarem prontos, caíram matando aqueles a quem deveriam servir; ou ao desempenho de uma seleção brasileira que conseguiu sofrer a mais vexatória derrota de todos os tempos em uma copa que jogávamos em casa. Complementam, assim, os massacres impetrados pelo braço do Estado contra todos os que tentaram mostrar que, além da copa, o Brasil deveria atuar mais seriamente e com maiores investimentos em educação, saúde, segurança…

Detratam os críticos afirmando que esses suspenderam as manifestações para torcer pelo Brasil e ficaram esperando apenas a seleção perder para voltar às críticas com mais força. Cumpre lembrar que as manifestações continuaram ocorrendo, embora em menor volume durante a copa e que estas foram reprimidas com mais vigor do que nunca porque a copa não podia ser maculada. Além disso, os manifestantes são brasileiros e têm todo o direito de torcer por sua seleção, se assim o desejarem. Brasileiros, não lesas-pátrias como querem alguns, que têm o direito de lutar por um Brasil melhor!

Mas alguém entendeu errado o grito das massas! Reivindicávamos elevar educação, saúde, segurança e condição de vida ao nível do nosso futebol, mas fizeram o contrário e rebaixaram a qualidade do nosso futebol ao nível dos nossos direitos sociais. O desempenho de nossa seleção na semifinal contra a Alemanha equivaleu ao confronto dos resultados internacionais em leitura, matemática e ciências. Enquanto eles estão sempre entre os 15 primeiros e jogaram como uma seleção, nós que ficamos constantemente abaixo da 50ª posição jogamos como um time de várzea. Mas para ser realista, com tal desempenho, se houvesse uma copa da educação, nós brasileiros sequer passaríamos das eliminatórias.

Assim, se o resultado das semifinais na copa 2014 deixa alguém indignado, essa indignação deve se voltar não apenas ao futebol, mas às condições de todo o povo brasileiro. Somos 200 milhões, se fizermos todos nossa parte e jogarmos juntos por educação, saúde, segurança e outros direitos sociais, podemos nos tornar uma potência não apenas no futebol. Então… às ruas! Às ruas lutar pelo país que queremos, eis a principal ação que devemos executar.

Por fim, a frase de Alexandre Pessoa sobre a tragédia da semifinal: “Não se festeja sobre escombros! Seremos vencedores, sim, quando tivermos saúde, educação, moradia, direitos! Essa tarefa é da classe trabalhadora!” E que fique bem claro, os que reclamam e criticam têm todo o direito, como brasileiros apaixonados pelo seu país, de aqui permanecer enquanto continuam a criticar sejam os problemas relacionados à organização da copa, seja o mineiratzen da semifinal. Amamos! Criticamos porque amamos!

Publicado originalmente no jornal Tribuna Amapaense, Nº 417, 12 de julho de 2014.

Outros textos de Arley Costa podem ser lidos em https://arleycosta.wordpress.com/entrelinhas/

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