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Na parte 1 de “Bolsonaro, coronavírus e o programa espacial” falamos da explosão da espaçonave Challenger segundos após seu lançamento, identificamos a relação do desastre com o pensamento de grupo. Começamos a mostrar como funcionavam os grupos bolsonaristas e a apontar a relação de seu padrão de ação com o pensamento de grupo. Cabe, agora, relacionar estes elementos com o coronavírus e retornar ao programa espacial para encerrarmos o texto. Conforme dizíamos…
O padrão de ação dos grupos bolsonaristas não é novo, se estrutura assim desde que a onda antipetista se organizou em torno do então deputado. Mas a estrutura vem se adaptando aos momentos e movimentos da política brasileira. Antes e durante o processo eleitoral, embora críticas pudessem ser feitas ao candidato, o sentimento antipetista e anticorrupção falava forte e não havia acusações que pudessem ser feitas à gestão de quem ainda não tinha sido gestor. Após o primeiro de janeiro de 2019, contudo, as críticas começaram a grassar contra o governo do agora presidente Bolsonaro. Críticas nas mais diversas áreas, educação, saúde, cultura, direitos humanos e, inclusive, economia. Quem sempre fora pedra, tornava-se vidraça. Agora, o governo do mito estava sob ataque e era preciso, às hordas bolsonaristas, defendê-lo a todo o custo.
A turba bolsonarista intensificou, então, o que havia se habituado a fazer. A cada ataque recebido disparava contra-ataques tentando desmoralizar os interlocutores, supervalorizando os feitos do governo e do mito, conectando qualquer opositor como petista e defensor da corrupção. A estratégia valia para dentro e para fora de sua bolha. Nos grupos de WhatsApp bolsonaristas as mensagens recheadas de bandeiras do Brasil valorizando os feitos do presidente, atacando seus opositores e clamando pelo patriotismo para salvar o país inundavam os celulares. A tática funcionava, mas sob pressão externa contínua, o grupo avançava em busca de conformidade a qualquer custo. Com o inimigo externo crescentemente valorizado internamente, a liberdade de expressão foi sendo minada por censura ou autocensura; visões contrárias e questionamentos eram prontamente combatidos; a moralidade considerada imanente ao grupo era enaltecida permanentemente; sugestões e alternativas eram lidas como críticas; as verdades consolidadas do grupo eram as únicas aceitas. O grupo fechava-se cada vez mais em si próprio, o pensamento de grupo estava consolidado.
É nesse contexto que a pandemia do Covid-19 desembarca no Brasil. Bolsonaro, alimentado pelo pensamento de grupo, fortalece a visão de que todos estão querendo defender o isolamento social horizontal para minar as bases econômicas do país e, consequentemente, destruir seu governo. A turba parte para o ataque tentando defender as posições do mito, conclamam a manutenção da atividade econômica; inventam e difundem conspirações do Partido Comunista Chinês (PCC) como criador de um vírus geneticamente alterado para avançar economicamente sobre o planeta; organizam carreatas; culpam a mídia, a OMS, o Legislativo, o Judiciário, governadores e prefeitos, entre outras entidades e pessoas por tentar fragilizar o governo. Na outra ponta, disparam elogios à coragem de Bolsonaro, exaltam sua atuação como líder preocupado com a economia e não com uma gripezinha, desdobram-se em buscar ou inventar exemplos de outros países que corroborariam a postura de seu messias; alardeiam medicamentos salvadores e a correção das estratégias do presidente para salvar economia e vidas.
Mas, dessa vez, há algo de diferente. Com medo de que parentes e amigos sejam atingidos pelos impactos da Covid-19 e vendo diuturnamente que as ações de Bolsonaro parecem ampliar os riscos de contágio e morte em vez de diminuí-los, as pessoas se questionam sobre o acerto da estratégia do governante. A dúvida rompe com a certeza de muitos. A crítica ou pelo menos o questionamento interno ao grupo aumenta. Há defenestrações em série de questionadores, muitos apoiadores se evadem e o grupo se reduz, ficando mais coeso e ainda mais cerrado no pensamento de grupo.
Com a desidratação de apoios importantes, panelaços eclodindo pelo país, governadores questionando sua autoridade, a Justiça se antepondo as ações que lhe escapavam da alçada, o Congresso demandando posicionamentos e, inclusive, redução de apoio entre militares, Bolsonaro se vê, como nunca desde a campanha eleitoral, isolado. Preocupado em atender os interesses dos que coordenam o capital financeiro do país para manter sua governabilidade, busca alimentar-se das certezas em seus grupos de WhatsApp e recorre às posições conspiracionistas olavistas e ao gabinete do ódio, o mesmo que alimenta o WhatsApp e que se encontra também distorcido em pensamento de grupo.
Ao ver suas ações respaldadas nos grupos que defendiam mais e mais suas “mitadas” e sob orientação do gabinete do ódio que se inspira na pseudofilosofia olavista, Bolsonaro dobrou a aposta. Fez um pronunciamento reiterando as ações que vinha tomando no tocante à epidemia em um tom ainda mais agressivo contra todos que se lhe opunham. Durante seu pronunciamento, o som das panelas e os gritos de “fora, Bolsonaro!” ecoaram no ar de inúmeras cidades. A popularidade e o suporte ao governo derretiam fragorosamente nos ecos da noite.
Além da perda de vários apoios, incluindo parcela de militares, Bolsonaro vê a formação de um grupo de oposição às suas medidas durante a pandemia ocorrer no interior do próprio governo. O grupo composto por Moro, Mourão e Guedes, pessoas fortes de seu governo, expressam o apoio às ações do ministro da Saúde, Mandetta, em franca oposição aos posicionamentos do presidente. O isolamento se amplia e no dia 31 de março, em uma guinada espetacular, Bolsonaro faz um novo pronunciamento, agora mais afeito às proposições da OMS defendidas e implantadas pelo ministro da Saúde.
É cedo para saber se Bolsonaro não retornará ao conforto do pensamento de grupo de suas hordas no WhatsApp, onde todos atacam seus inimigos e o lançam a condição de quase-divindade. Será necessário acompanhar como se desenrolarão os próximos passos no enfrentamento da Covid-19 para que se construa alguma certeza. Mesmo que haja alguma mudança sobre a pandemia, certamente Bolsonaro seguirá mantendo os ataques aos trabalhadores por meio das contrarreformas que junto com Guedes vem implantando. Não há esperanças nesse sentido, nem de que abandone em definitivo as turbas do WhatsApp.
Contudo, tratando especificamente do combate à pandemia, mesmo que ele se mantenha na nova linha, resta saber se a mudança de posição, escapando do pensamento de grupo, ocorreu em tempo suficiente para salvar seu governo. Se a mudança tiver sido tardia, tal qual a Challenger, a presidência de Bolsonaro explodirá em pleno voo e será consumida pelas chamas do pensamento de grupo.